Rev Saúde Pública 2011;45(5):997-1000
Desafi os da tuberculose
diante da resistência
microbiana
The challenges of tuberculosis
on antimicrobial resistance
A tuberculose (TB) permanece sendo enorme desafi o
para a saúde pública. Apesar de existir grande conhecimento
tecnológico da doença, outros fatores ainda
impedem que se atinjam as metas propostas para o seu
controle, como pobreza, desnutrição, a co-infecção
com HIV.
Desde 1993, a TB tornou-se prioridade para a Organização
Mundial da Saúde (OMS) e, em 2000, para o
Brasil. O orçamento atual para o controle da TB é 14
vezes maior que em 2002, porém ainda insufi ciente.
Segundo a OMS, o Brasil está em 16º lugar entre os 22
países prioritários para controle da TB, i.e., com maior
número de casos TB no mundo. Porém, não estamos
entre os países de maior número de casos de TB multidrogarresistente
(TBMDR).
A incidência de TB no Brasil tem decrescido desde a
década de 1950, quando foram notifi cados 160.000
casos novos; na década de 1990 foram 110.000 casos;
e no último levantamento, em 2009, foram notifi cados
72.000 casos, número considerado ainda bastante
elevado.
A meta da OMS é de, até 2015, curar 85% e detectar
70% dos casos. Entretanto, o Brasil ainda está atrasado
em relação a essa meta.
As características da transmissão da TB por bacilo
sensível e por bacilo resistente são as mesmas: transmissão
aerógena, ocorrendo em aglomerações humanas
e tendo relação direta com a imunidade baixa. A grande
diferença é que o bacilo resistente tem menor virulência,
comprovada em experimento de 1953,a
em que cobaias
inoculadas com bacilos resistentes a isoniazida produziam
menor número de lesões e mortes. Outro estudob
de 1999 mostrou que contatos de focos resistentes
adoeciam menos do que os contatos de focos drogas
sensíveis, talvez porque alguns genes resistentes a
drogas reduzem a virulência do bacilo. Estudo de 2003c
mostrou, com auxílio da epidemiologia molecular,
que bacilos resistentes a isoniazida apresentavam uma
mutação no gene KatG (22%-64%) responsável pela
produção de catalase e peroxidase. Essas enzimas são
fundamentais para a vida dos bacilos, o que os tornava
menos virulentos.
A TB é curável em praticamente 100% dos casos novos,
sensíveis aos medicamentos anti-TB, desde que tratada
adequadamente com terapia medicamentosa. Hoje no
Brasil curam-se 69% dos casos de TB bacilos sensíveis.
Porém, a taxa de abandono é alta, ao redor de 13%, o
que resulta em surgimento da resistência adquirida. Ao
ser transmitida, a resistência adquirida leva ao aparecimento
da resistência primária.
Em 1979, o sistema de tratamento para a TB adotado no
Brasil era composto pelo esquema I (2RHZ/4RH) para
os casos novos, esquema I reforçado (2RHZE/4RHE)
para retratamentos, esquema II (2RHZ/7RH) para a
forma meningoencefálica e esquema III (3SZEEt/9EEt)
para a falência dos anteriores.
Dois Inquéritos Nacionais de Resistência aos Fármacos
Antituberculosos, realizados entre 1995–1997 e 2007–
2008, evidenciaram aumento da resistência primária à
isoniazida (de 4,4% para 6,0%) e aumento da resistência
à associação rifampicina-isoniazida, o que levou à
necessidade de mudanças. Em 2009, o Programa Nacional
de Controle da Tuberculose foi revisto pelo seu
Comitê Técnico Assessor, resultando em padronização
do esquema básico com introdução do quarto fármaco,
o etambutol. Este foi introduzido na fase intensiva, nos
dois primeiros meses de tratamento, com o objetivo de
diminuir a transmissibilidade e proteger a rifampicina,
evitando aparecimento de resistência. Foram extintos o
Correspondência | Correspondence:
Instituto Clemente Ferreira
R. da Consolação, 717
01301-000 São Paulo, SP, Brasil
Texto de difusão técnico-científi ca da
Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.
Instituto Clemente Ferreira,
Coordenadoria de Controle de
Doenças, Secretaria de Estado
da Saúde
Informes Técnicos Institucionais
a
Middlebrook G, Cohn ML. Some observations on the pathogenicity of isoniazid-resistance variants of tuberculosis bacilli. Science.
1953;118(3063):297-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1126/science.118.3063.297
b
van Soolingen D, Borgdorff MW, Haas PE, Sebek MM, Veen J, Dessens M, et al. Molecular epidemiology of tuberculosis in the Netherlands:
a nationwide study from 1993 through 1997. J Infect Dis. 1999;180(3):726-36. DOI: http://dx.doi.org/10.1086/314930. c
Barnes PF, Cave MD. Molecular epidemiology of tuberculosis. N Engl J Med. 2003;349(12):1149-56. DOI: http://dx.doi.org/10.1056/NEJMra021964.
esquema I reforçado e o esquema III, sendo solicitados
cultura, identifi cação, teste de sensibilidade para todos
os casos de retratamento e adotado esquema padronizado
para multi-resistência (associação de cinco drogas
incluindo um aminoglicosídeo e uma quinolona) (Figura
1) ou esquemas especiais individualizados, segundo
a combinação de resistências apresentadas pelo teste de
sensibilidade. É um grande desafi o realizar o teste de
sensibilidade para todos os pacientes de retratamento
devido à necessidade de uma rede de laboratório capacitada
em todo o território nacional.
No Brasil a co-infecção TB-HIV em pacientes com TB
bacilos sensíveis é de 12%;d
em casos de TBMDR-HIV
essa taxa é menor (7%).e
O tratamento da TB em pessoas infectadas pelo HIV
segue as mesmas recomendações para os não infectados,
tanto nos esquemas quanto na duração total do
tratamento. A pronta solicitação do teste anti-HIV e
a agilidade de seu resultado em pacientes com TB é
fundamental para o correto manuseio do tratamento
da co-infecção TB-HIV.
Para melhorar a adesão ao tratamento, com melhor
índice de cura e conseqüentemente diminuição do
aparecimento de cepas resistentes, a OMS propôs o
uso da estratégia do tratamento diretamente observado
(DOTS) em 1999:
Compromisso governamental com o Programa Nacional
de Controle da Tuberculose e aumento dos
fi nanciamentos.
Tratamento diretamente observado (TDO), com supervisão
das tomadas e suporte aos pacientes.
Bacteriologia de qualidade dos sintomáticos respirató-
rios para melhor detecção de casos.
Suprimentos de drogas e gerenciamento de registros,
notifi cações de casos e controle do Programa.
Monitorar registro, avaliar o sistema e o impacto das
medidas propostas.
O Instituto Clemente Ferreira (ICF) é uma unidade de
referência terciária em Pneumologia e Tisiologia da
Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo que atua
especifi camente no atendimento de casos de TBMDR,
efeitos adversos ao tratamento, TB extrapulmonar e
casos de micobacterioses não tuberculosas.
A maioria dos pacientes referenciados para ICF mora
distante, e para ser feito o TDO foi implementada a
Supervisão Cooperada, em que uma unidade de saúde
próxima ao domicílio do paciente se responsabiliza
em receber o paciente ou ir até seu domicílio, caso
o paciente não tenha condições de se deslocar. Isso
permite avaliar melhor a situação global dos pacientes
e familiares, possibilitando melhor acolhimento dessas
famílias (Figura 2).
A TBMDR no mundo ganhou ênfase na década de
1980 após um surto em Nova Iorque, quando grandes
esforços foram realizados para o controle da doença
naquele país.
No período de 2000 a 2004 a OMS e o Centers for Disease
Control and Prevention (CDC) avaliaram 14.706
amostras de escarro provenientes de 49 países e perceberam
que no grupo de pacientes com TBMDR resistentes
a isoniazida e rifampicina existiam casos com resistência
d
Dados epidemiológicos informados pelo Ministério da Saúde.
e
Dados epidemiológicos informados pelo Sistema de Vigilância TBMDR – Fiocruz – Centro de Referência Professor Helio Fraga.
Abandono Óbito
Cura
Falência
Esquema
MR:
SM, EMB,
Levo, PZA,
Terizidona
18meses
XMR
Desafio
Esquema
Básico
I, R, Z,E
6 meses
F F
F
VT
RA
RC
Esquema
Básico
I,R, E,Z
6meses
TS
VT = virgem de tratamento
RC = retorno pós-cura
RA = retorno pós-abandono
TS = teste de sensibilidade
I = isoniazida
R = rifampicina
Z =pirazinamida
E = etambutol
SM =estreptomicina
EMB =etambultol
Levo =levofloxacina
PZA =pirazinamida
XMR =extensivamente resistente
Figura 1. Esquemas de tratamento da tuberculose, atualizado segundo Manual de Recomendações para Controle de Tuberculose
no Brasil. Ministério da Saúde, 2010.
Fonte: Dr. Fernando Augusto Fiuza de Melo, Instituto Clemente Ferreira
Rev Saúde Pública 2011;45(5):997-1000 998
a isoniazida, rifampicina e outras drogas, o que veio ser
chamada de Tuberculose Extensivamente Resistente
(TBXDR). A TBXDR é defi nida como resistência a
isoniazida e rifampicina mais pelo menos uma droga
injetável (amicacina, capreomicina ou canamicina) e
uma quinolona. Certas regiões do mundo evidenciavam
ter 20% dos casos de multi-resistência com padrão XDR.
O ICF realizou levantamento de casos de TB no perí-
odo de 1994 a 2007. Foram notifi cados 10.306 casos,
dos quais 733 (7%) eram TBMDR. Dentre os casos de
TBMDR foram encontrados 18 (2%) casos de TBXDR,
70% deles resistentes a ofl oxacina, cujo prognóstico era
muito ruim, mas houve casos de cura.
Alguns casos permaneceram bacilíferos e clinicamente
estáveis, tornando-se focos de transmissão de bacilos
resistentes e gerando um grave problema de saúde
pública.
Em 2008, segundo estimativas da OMS, havia 400.000
casos novos de TBMR no mundo, metade deles na
Índia e na China. Os países com menores recursos são
os responsáveis pelo maior número de casos, agravado
ainda pela grande incidência local de HIV (Figura 3).
No Brasil, no período 2000–2008, foram notifi cados
4.064 casos de TBMR, 95% deles por resistência adquirida
e o restante por resistência primária. Somado a
isso, o fato de todos os casos de TBXDR do ICF serem
provenientes do grupo de TBMR sugere que o programa
de controle da TB não está sendo sufi cientemente efi caz.
A taxa de cura de TBMR varia de 50% a 70%, sendo
provavelmente pior nos casos de TBXDR e mais ainda
quando associado à HIV.
Acredita-se que o número de casos de TBMR no Brasil
esteja subestimado. Novos e rápidos testes diagnósticos
seriam muito importantes para identifi car mais casos,
instituir tratamento ade
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